A partir deste domingo, e sem o prévio consentimento da autora, republicaremos neste blog os sempre lúcidos, humanos e instigantes escritos da querida Zenilde Vieira Bruno, Psicóloga, sexóloga e pedagoga, de raízes boa-viagenses, publicados semanalmente (aos domingos) no Jornal O POVO, onde ele nos traz bela lições de vida do cotidiano, das relações humanas, dos afetos, dos amores, enfim da vida... Boa leitura e boa reflexão a todos e todas...
Essa tal solidão
Em plena explosão das redes sociais e das facilidades dos contatos físicos, emocionais e sociais, o que mais escuto é o lamento de que seu mal é a solidão. Que ficar só dói, fere, humilha, incomoda, abate a autoestima. Afinal ter alguém com quem partilhar a vida é, inegavelmente, muito bom. Só que, existem algumas parcerias em que se fica verdadeiramente solitário, sem trocas, sem comunhão, e onde se instala uma “solidão a dois”. Há parceiros que apenas emprestam seus corpos a um gozo tão econômico de afeto, que nem deixa saudades para um próximo contato. Há ainda outros pares que se maltratam, desrespeitam-se, e até se destroem. Pouco se lembra de que é possível partilhar algo de si, da vida, de modo muito agradável, simplesmente com uma pessoa amiga. É preciso desfazer o mito de que a solidão só se quebra tendo uma parceria dita “amorosa”.
Na verdade o sentimento de solidão fica intolerável quando o outro não nos alcança, não quer, não pode nos ouvir, ou não entende o que queremos dizer, seja de dor ou de alegria. Ou quando nós mesmos não sabemos fazer isso, não sabemos nos escutar, acolher-nos, considerar-nos. Somos uma cultura sem esse exercício de partilha e escuta.
Estudos atuais vem ressignificando à solidão, ao apontar as dimensões positivas que a experiência pode guardar. Não se trata necessariamente de uma situação desesperada e sofrida. “A solidão não é um tempo de abandono”, diz Phillis Hobe, “É, ou pode ser um tempo de ser ou tornar-se”. Pode ser, portanto, um lugar de confronto e de conforto, de diagnóstico e de cura. Os nossos acontecimentos interiores merecem todo o nosso afeto. Neste sentido também, a solidão torna-se uma aventura e até serve para nos lembrar de nosso destino relacional, nossa vontade de buscar o outro. Isso é diferente do isolamento em que nos colocamos, às vezes, de modo ofensivo.
Para Amparo Caridade, a solidão negativa é a marca do divórcio entre o indivíduo e sua própria existência. Enquanto expressão de insuficiência, ela emerge em meio às frustrações por falta de satisfação nos diversos campos da vida privada e coletiva. A capacidade de o indivíduo ficar só é um dos maiores sinais de amadurecimento emocional. Ter a capacidade de estar sozinho, refletir e deliberar sozinho, é inevitável e necessário para nos mantermos como seres singulares, como sujeitos morais, e em última instância como sujeitos políticos.
Solidão faz mal? Não. Se dela fizermos o caminho de crescimento e singularidade pessoal. Se for vista como condição humana, não como condenação, pode ser nosso lugar de construção e amadurecimento. Existencialmente falando, a questão vai mais além. Na verdade, nem temos como escapar da solidão, se nos permitirmos amadurecer, se nos permitirmos experienciar a falta de respostas às nossas indagações e aos nossos anseios. Ficamos assim, muitas vezes de mãos vazias, na solidão da falta de respostas porque, em última análise, sobretudo para o essencial, estamos sós. O essencial tem uma fundura própria, que só se alcança numa proximidade muito especial com o próprio eu. Isso se alcança na solidão. Na bendita solidão.
Zenilce Vieira Bruno
zenilcebruno@uol.com.br - Psicóloga, sexóloga e pedagoga
Um comentário:
Esse artigo da Dra Zenilce Bruno é de uma sensibilidade ímpar.Parabenizo por ela estar escrevendo para seu site. Um abraço Marcos Silveira
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