terça-feira, 10 de novembro de 2009


Morre o poeta e socialista Manuel Raposo

Publicado: 10 de novembro de 2009 às 15:53 (Blog do Eliomar de Lima)
Morreu nesta terça-feira o jornalista, poeta, escritor e socialista Manuel Raposo (80). Ele estava internado há semanas no Hospital de Messejana e foi vítima de efizema pulmonar.
O velório ocorrerá a partir das 18 horas, na Funerára Alvorada, ao lado do ginásio poliesportivo da Parangaba (Avenida Osório de Paiva, 255). Na quarta-feiraq, às 10 horas, a família manda celebrar ato religioso e, em seguida, o corpo será cremado.
Conheci Manuel Raposo na época em que fazia o curso de Comunicação Social da UFC – década de 80, vendendo exemplares do jornal O Popular, que editava com idéias socialistas. Foi também um dos combatente da ditadura militar. Raposo chegou a lançar também a revista cultural “O Saco”.

Um pouco da história desse cearense de fortes convicções comunistas:

ESPECIAL
O militante do Maverick azul
Manoel Coelho Raposo foi um dos principais responsáveis pela criação da revista de cultura O Saco, em 1976. em pouco tempo, a publicação chamou a atenção do Brasil
(O POVO - Regina Ribeiro da Redação01 Out 2008 - 02h12min)

Um Maverick azul cruzou o Centro da cidade rumo à casa de uma senhora chamada Leila, no bairro da Maraponga. Era abril de 1976. O casarão da Leila era um ponto de encontro da alta e endinheirada boêmia cearense. Do Maverick saiu um grupo de rapazes, recém-chegados à literatura. No comando, o livreiro Manoel Coelho Raposo. "Foi uma farra de quase 24 horas", relembra, rindo, o escritor, cronista de O POVO e psiquiatra Airton Monte. "Esta foi a melhor festa de lançamento da revista O Saco." Discreto, Manoel Raposo não fala do Maverick azul, das meninas da casa da Leila nem da farra inesquecível que fez junto com os meninos. Oficialmente, dias antes, a revista havia levado um conglomerado de cerca de 500 pessoas para uma das livrarias Feira do Livro, que funcionava no Shopping Center Um - recém inaugurado - para uma "noitada de autógrafos". Intelectuais, simpatizantes e militantes de todas as esquerdas produzidas durante o governo militar, escritores e jornalistas acorreram ao evento que, à época, se fez um marco para a cidade. "A revista O Saco surgiu de uma inquietação dos intelectuais cearenses preocupados com o avanço do monopólio da cultura do eixo Rio-São Paulo sobre a cultura do Nordeste e do Ceará, além do predomínio desavergonhado da cultura norte-americana. Havia uma efervescência muito grande em Fortaleza e um grupo de garotos decidiu criar um veículo de resistência a isso tudo", conta Manoel Raposo, vasculhando na memória os detalhes daquele maio de 1975. Tudo, porém, começou num sarau de idéias na casa do pai do escritor Carlos Emílio Corrêa Lima.

"Foi o Carlos Emílio quem fez um chamamento aos intelectuais e combinamos o encontro na casa dele. Na noite marcada compareceram umas 100 pessoas", afirma o escritor Nilto Maciel, um dos quatro que figuram entre os fundadores da revista. Da babel formada por escritores, músicos, gente de teatro, militantes de todas as correntes e tendências, não saiu nada. "Mas, depois ficou um grupo pequeno e decidimos fundar uma revista. Aí, descobrimos que não tínhamos um tostão pra isso, mas o Raposo tinha. Ele era um poeta, editava livros, era empresário e comunista militante. Assim que falamos com ele, topou na hora", rememora Nilto.

"Quando vi aquela história disse que o empreendimento só iria pra frente se fosse pensada uma estrutura econômica para viabilizar a revista e a sua distribuição", explica o livreiro. Formou-se uma equipe: Carlos Emílio Corrêa Lima, Nilton Maciel, Jackson Sampaio, Humberto Magalhães (que fez o projeto gráfico da revista) e Manoel Raposo. "Sem ele a revista nunca teria saído. Ele não tinha apenas dinheiro, era generoso, tinha um Maverick azul, levava a gente pra beber, gostava de uma farra medonha", completa o escritor, mansamente, meio sem jeito. Guarda até hoje, bem encadernada, uma coleção da revista que o lançou na vida literária. O número 1 de O Saco conseguiu chamar a atenção do Brasil inteiro e de muitos literatos. Todos os veículos de grande circulação (Veja, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, Estado de São Paulo, O Globo) abriram espaço para a revista cearense que chegava ao mercado editorial como uma inovação: quatro cadernos - prosa, poesia, imagem e editorial - embalados num saco. No conteúdo, a escrita e as artes dos artistas cearenses, de preferência, os jovens artistas. "Quando O Saco foi lançado, o País vivia o que à época se chamava um 'boom literário'. Surgiam novos autores e novas publicações por toda parte. Como vivíamos em plena ditadura, amordaçados pela censura, toda aquela agitação tinha um aspecto político inequívoco. O Saco foi um ato de afirmação, o meio pelo qual a literatura cearense se expressou naquele contexto. Tudo isto, claro, está muito associado à militância do Raposo. E foi decisivo para as escolhas pessoais que fiz a partir daí. Sou um filho típico dos anos 70. Me reconheço nisto", afirma o poeta Ricardo Alcântara. Na época, estava numa fase de andarilho sem rumo. Manoel Raposo pediu a ele um material de viagem. Mandou, então, para O Saco uma entrevista com o pintor baiano Caribé. De Minas, enviou outra com o escritor Murilo Rubião. "Do ponto de vista político, O Saco, apesar do Armando Falcão, pegou tempos menos sombrios e menos duros. Do ponto de vista literário funcionava como vitrine da produção cearense.

A publicação era democrática, abria espaço para vários grupos que atuavam na cena cultural cearense", afirma Gilmar de Carvalho, então jovem ficcionista que teve trabalho publicado no O Saco. Abrir espaço, em âmbito nacional, continua sendo um dos principais pontos lembrados por todos os entrevistados do O POVO. "O Saco formou uma geração de autores cearenses, ficamos respeitados nacionalmente com a revista, tanto é que quando a revista se desfez, a editora Moderna, uma das maiores naquele tempo, publicou livro meu, do Airton Monte, do Carlos Emílio", afirma o contista Nilto Maciel.

"Posso dizer que o Raposo teve um papel tão importante para a nossa geração com o lançamento de O Saco que, sem ele, nenhum de nós teríamos sido o que fomos depois daquilo", conclui Airton Monte. Entre maio de 1975, quando a idéia nasceu, e abril de 1976, quando O Saco foi lançado, o trabalho de parto foi penoso e lento, com textos presos em Brasília nas mãos da censura.

"Era um vai-e-vem danado, uma dor de cabeça sem tamanho. Aí, quem nos ajudou foi uma jornalista chamada Ana Lagoa que tinha boas fontes por lá e conseguiu a liberação da revista", conta Raposo. "Quando saiu, estourou", empolga-se. Para distribuir O Saco nacionalmente, Manoel Raposo fez um acordo com a Superbancas, uma espécie de central de distribuição de São Paulo. O sucesso da revista foi tanto que a Superbancas exigiu uma tiragem de 35 mil exemplares para continuar no negócio. A crise do papel encarecia o custo do suplemento, os anúncios começaram a rarear. Manoel Raposo tirava do bolso o dinheiro para sustentar o veículo. Foi buscar patrocínio público e privado onde eles estavam, e até o ex-governador Tasso Jereissati, na época um jovem empresário, contribuiu financeiramente com um dos números de O Saco. Mas não deu para continuar. No número 7, O Saco entregou os pontos. Antes, no entanto, Manoel Raposo escreveu o libelo Vamos Deixar O Saco Morrer? que continha um pedido - quase desesperado - à "sociedade cearense" para viabilizar economicamente a revista. Em vão.

E MAIS

Os sete números da revista O Saco foram mais do que uma vitrine para os novos escritores cearenses. Pela primeira vez na história de uma revista local, pelos cálculos do livreiro Manoel Raposo, um veículo contemplou de tal ordem as artes produzidas no Estado, recuperou a história dos principais movimentos literários cearenses e ainda mostrou nomes que mais tarde se tornaram ícones no meio artístico e cultural. Nomes como José Alcides Pinto, Francisco Carvalho, Siegbert Franklin, Bathista Sena, Moreira Campos, Horácio Dídimo, Roberto Drummond figuraram na revista. Um dos belos momentos de O Saco é a entrevista com o folclorista Câmara Cascudo; outro é o ensaio de Ariano Suassuna: Encantações de Guimarães Rosa; e mais um: a publicação de um pequeno conto do argentino Julio Cortázar.

Trajetória
Raposo, que era nascido em Crateús, veio ainda cedo para Fortaleza. Quando deu-se sua prisão pelo governo militar, no ano de 1964, era dono de uma rede de oito livrarias, em Fortaleza e uma série de outras cidades, nas quais vendia publicações de teor socialista ou conteúdo nacionalista. O material foi considerado ``nocivo`` pelos governantes de então e recolhidos pelas forças militares. Segundo Messias Pontes, no entanto, o que houve foi ``um roubo, mesmo, de todo o material. A livraria foi arrombada, incendiada, um prejuízo imenso, que o Raposo nunca conseguiu recuperar``. Um outro fato marcante da sua trajetória como editor foi a experiência com a revista O Saco, especializada em cultura. Também comandou o jornal O Popular, de conteúdo socialista. Durante um bom tempo, ainda, custeou do próprio bolso a impressão e distribuição de exemplares do jornal Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba. O corpo de Manoel Coelho Raposo será cremado hoje, logo após a celebração de uma missa de corpo presente, marcada para 10 horas, no crematório do Jardim Metropolitano. Mais recentemente, mantinha uma tipografia e editora no Centro.

VAMOS NÓS: Conheci o Manuel Raposo na época do movimento estudantil, na militância sindical (´bancários) e com ele participei da formação da Casa de Amizade Brasil-Cuba, movimento de solidariedade ao povo cubano. Figura de estatura miúda, comunista convicto e coerente, leva ao túmulo (na verdade será cremado) toda uma vida dedicada à luta revolucionária (jornalismo, poesia, agitação cultural, edição de livros etc), à luta pelo poder popular, jamais aceitou o revisionismo do ideário comunista, recusando, inclusive, qualquer revisão ao pensamento dos faróis do comunismo soviético, Lênin e Josef Stalin. Essa a razão do O POVO (12.11.09) anunciar a morte do militante como A MORTE DO ÚLTIMO CEARENSE STALINISTA.

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