Qualificar a intervenção do cidadão na política nacional é um dos mais eficazes instrumentos da verdadeira independência! Fiz esse texto hoje, sem qualquer ilação com o dia 07 de setembro. Todavia, após publicá-lo no facebook, percebi que pode ser uma boa reflexão para esse dia.
A tragédia da política, que, aliás, salvo honrosas exceções de alguns sistemas, não parece ser só a nossa. Campanhas milionárias vão, cada vez, elitizando a política, abastecendo os escândalos e afastando quem ou não se dispõe a entrar nesse vil mercado - o do voto - ou não tem dinheiro nem financiador para entrar na disputa.
Claro, não podemos generalizar. Porém, é pura demagogia, cretinice ou hipocrisia negar essa grave defeituação do nosso processo eleitoral.
Declaração do hoje secretário Eduardo Diogo expressa muito bem esse mercado que caracteriza a vida política brasileira. Ainda ontem, conversando com uma amiga que, assim como eu, nasceu com a política em casa (aos três anos ajudava o pai a confeccionar as "famosas" forminhas para o voto do analfabeto), ela me contava a história que partilho nesta post. Aproveitei e contei situações que ocorreram comigo, com minha mãe Maria Zélia Cavalcante Ramalho e com meu filho Deodato José Ramalho Neto (que andou se entusiasmando para seguir meu passos entrando para a luta política. Acho que o episódio o fez repensar!).
Aqui no Ceará há deputado(s) que não pisam no Estado nem mesmo na época das campanhas. O "negócio" é mais do que escancarado.
O desanimador é que mesmo na efervescência das manifestações de ruas ninguém toca no assunto. Toda a desgraceira é apresentada como fruto de péssimos políticos. Demagogicamente ninguém fala da contaminação do processo eleitoral, com a apresentação do ato de COMPRAR dissociado do ato de VENDER. É como se todos tivéssemos medo de tocar o dedo na ferida, que significa dizer que, na mercância do voto, a operação envolve não apenas quem compra, mas também quem vende (e é ilusão achar que quem vende são apenas pessoas humildes. É não. A tragédia vai de A a Z).
Já advertindo que esse tipo de situação ocorre em qualquer recanto do Brasil. No interior e nas capitais, VAMOS LÁ (nenhum dos episódios é força de expressão. Ocorreram mesmo):
Declaração do secretário - Coluna Vertical - O POVO 07.09.2013:
"PREÇO DO VOTO
Bem que o secretário Eduardo Diogo (Planejamento), presidente do PSD de Fortaleza, sonhou com mandato em 2014. Mas, segundo amigos próximos, desistiu logo ao saber, principalmente, do preço da campanha."
Episódio 1 (comigo - 1988 - candidato a prefeito em Boa Viagem):
1. Na mais do que romântica campanha de 1988, do voto vinculado (Mauro governador; Dorian Sampaio senador; Moisés Pimentel deputado federal; Aroldo Mota - meu primo - deputado estadual e eu candidato a prefeito, dispúnhamos de um único veículo. Uma velha C-10 branca, que só funcionava aos empurrões. Ganhou logo o apelido, colocado, salvo engano, pelo Jacob Carneiro, então um membro influente da estrutura de poder do José Vieira Filho (Mazinho), de Branca de Neve. O fato: estávamos aguardando o sol esfriar um pouco para sair para uma reunião de campanha (naquele pleito a liseira jamais permitiu fazer um comício) em comunidade distante da sede (tínhamos que sair com horas de antecedência, por razões óbvias: a Branca de Neve sempre nos deixava na mão...). Chegam duas senhoras nos pedindo para levá-las a uma outra comunidade, localizada em sentido oposto. Eu próprio expliquei a nossa dificuldade, estávamos saindo em outra direção e só tínhamos a Branca de Neve etc etc. Elas saem, sem disfarçar a chateação, e uma verbera (literalmente): "DEPOIS ESSAS PRAGAS AINDA QUEREM QUE A GENTE VOTE NELES..."
Episódio 2 - (com minha mãe - 1996 - eu candidato a prefeito em Boa Viagem):
Minha mãe, sempre uma guerreira muito solidária, desde quando, aos dezessete (17) anos, casou com meu saudoso pai Deodato José Ramalho (que era apaixonado por política e dedicou toda a sua vida aos seus conterrâneos, vindo a falecer em 1978 aos 47 anos de idade), visitava os eleitores em suas casas. Muito querida, com uma legião de compadres e comadres, fazia a peregrinação na busca de voto para o teimoso filho. Eis que chega em uma casa e a eleitora, isso depois de fazer festa com a presença da pessoa querida, benquista na sociedade etc etc... Começa a pedir algo como um "agrado" para votar. Diante de várias negativas, de discursos da minha mãe dizendo que quem compra vota não presta (lembrando Dom Aloísio "quem compra voto ou roubou ou vai roubar"), a eleitora, fixando o olhar nas duas alianças que demonstrava a viuvez da minha amada mãe, lançou o último apelo: "POIS DONA MARIA JÁ QUE A SENHORA TEM DUAS ALIANÇAS, ME DÊ UMA DESSAS...";
Episódio 3 - (com meu filho Deodato J. Ramalho Neto - eleição de 2010):
Mesmo não sendo candidato, desde que eu me entendo como gente, participo e acabo levando os que me são próximos a participar das campanhas dos candidatos do meu Partido. Em 2010 não foi diferente. Como não tive muito tempo de ir a Boa Viagem pedi ao meu filho para fazer algumas visitas para pedir voto para os nossos então candidatos Ilário e Rachel Marques. Sempre recebido festivamente em várias das casas visitadas, com expressão de carinho e, em muitos casos, de agradecimento por algo que eu já havia feito por ela ou alguém dela etc etc. Com alegria, e tenho certeza que era sincera, diziam "AH, GOSTO MUITO DO DEODATINHO, SEU PAI MEU FILHO JÁ ME AJUDOU MUITO...". Contudo, todavia, com honrosas exceções, na hora que se falava de voto, vinha a terrível proposta de negociação "tenho cinco votos em casa, eu tô vendendo, mas tô precisando de R$ 250,00...".
Episódio 4 (da minha amiga - eleição de 2012 em Fortaleza):
Candidato encontra algumas eleitoras e uma pede R$ 50,00 com a promessa de "voto garantido". Passados alguns minutos, eis que a eleitora retorna para devolver os R$ 50,00, o que motivou o estranhamento do candidato pelo gesto. Já estava pensando em algo positivo, em arrependimento pela venda do voto por parte da eleitora, quando ela explica: "estou devolvendo porque encontrei ali outro candidato que me deu R$ 150,00). No senso comum, lamentavelmente, o que é destacado como honestidade é a atitude de devolver o valor pelo qual havia vendido o voto anteriormente...
É trágico ou não é?