Publicado: 30 de setembro de 2009 às 16:13 (Blog do Eliomar de Lima)
Fortaleza está sendo sede da Semana Dom Helder Camara. Nesta quinta-feira, a partir das 19 horas, no auditório do Colégio Santo Tomás de Aquino, com o título: “Dom Helder: bispo para a Igreja e bispo para o mundo”. O conhecido compositor litúrgico e padre casado Reginaldo Veloso será o expositor. Haverá ainda o lançamento do polêmico livro de Dom Clemente Isnard: “A Experiência ensina o Bispo”. Para esquentar o debate, eis um artigo de Carlos Tursi, do Movimento “Grupo”, da Igreja Católica:
A atual geração dos bispos católicos – com honrosas exceções, é claro! – sofre de uma doença chamada eclesiocentrismo. Não que seja doença rara – ela dominou, seguramente, a maior parte da história da Igreja. Os sintomas dela são: angústia causada pela evasão dos “fiéis”, fobia das outras religiões encaradas como “seitas sedutoras”, uma preocupação exagerada em manter a “platéia” entretida nos templos e nas associações católicas, uma mentalidade de “reconquista” das “ovelhas perdidas”, a promoção desproporcional da Pastoral do Dízimo, o cuidado exagerado com o patrimônio.
Para os hierarcas acometidos por esta doença, “evangelizar” não significa tanto dar testemunho do amor gratuito de Deus e da esperança cristã em meio às realidades mais sofridas, desumanas, desesperançadas deste mundo (do tipo favelas, hospitais, prisões, submundo dos drogados); significa, antes, investir em programas televisivos e radiofônicos de entretenimento religioso para as próprias hostes.
Tais programas não atraem, absolutamente, quem se afastou da Igreja, pois sua pieguice e seu jargão intra-eclesial quase hermético os tornam pouco suportáveis a pessoas secularizadas. Leigos e leigas que militam nas pastorais sociais e se esforçam para transformar a realidade “mundana” recebem pouquíssima atenção e quase nenhum incentivo de bispos eclesiocêntricos, ao passo que dizimistas, colaboradores litúrgicos e padres cantores são valorizados como a “menina dos olhos” da Igreja.
Houve um tempo, porém, em que os bispos quiseram “encostar” nas realidades mundanas e humanas. Quem ainda se lembra do célebre proêmio da “Gaudium et spes” ? “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Compêndio do Vaticano II, 200).
Surgia, então, o projeto de uma Igreja-companheira da humanidade, em seus caminhos e descaminhos, uma Igreja-aliada na luta por liberdade, felicidade e humanização plena. Recordemos o que escreveu o Pe. José Comblin no livro “Mantenham as lâmpadas acesas” sobre a geração de bispos do “tipo” Aloísio Lorscheider: “A América Latina recebeu de Deus um privilégio excepcional. Houve aqui uma geração de bispos, de quase todos os países, decididos a adaptar a América Latina às transformações sugeridas pelo Concílio Vaticano II. Foi a geração de Medellín. (…)
Foi uma geração testemunha da liberdade evangélica, identificada com os pobres, os excluídos, os marginalizados da América Latina. Todos descobriram a mesma realidade, cada um no seu país, e quiseram aceitar o desafio dessa realidade. Foram como o Bom Samaritano da parábola. Vieram, depois de séculos em que a Igreja não quis olhar o desafio do extermínio dos índios, da escravidão dos africanos, e decidiram lutar contra essa realidade, procurando abrir os olhos da Igreja acostumada ao silêncio e à omissão seculares.
Estes bispos sofreram repreensões e castigos das autoridades e resistência de muitos colegas. Alguns foram realmente perseguidos. Outros morreram assassinados, sem que o martírio fosse reconhecido. Muitas vezes se sentiam sozinhos, objetos de desconfiança, incompreendidos, mas permanecem na memória dos pobres. Dom Aloísio foi um deles” (pp.69-70).
E Dom Helder foi outro. Não se faz mais bispos como no tempo dele. A impressão que dá é que os prelados de mitra atuais olham para o mundo com desconfiança e profundo pessimismo, bradando contra a perda de valores, sobretudo da fidelidade matrimonial e da ”santa” obediência. Não conseguem dialogar, de igual para igual, com intelectuais e profissionais liberais, mas permanecem igualmente distantes dos movimentos populares e operários. Não estão atuando no meio dos ”afastados”, dos secularizados, dos abandonados, dos condenados, das “ovelhas sem pastor”. Parece até que têm medo deles…
Ao invés disso, marcam presença constante na “Caminhada com Maria”, na procissão de São José, no “Queremos Deus” – aí, sim, se sentem “em casa”, em meio aos “seus”: “Vejam como eles se amam…!” Mas, se um outro mundo é possível, um outro episcopado também deve ser possível…
* Carlo Tursi, teólogo e membro de “O GRUPO”
A atual geração dos bispos católicos – com honrosas exceções, é claro! – sofre de uma doença chamada eclesiocentrismo. Não que seja doença rara – ela dominou, seguramente, a maior parte da história da Igreja. Os sintomas dela são: angústia causada pela evasão dos “fiéis”, fobia das outras religiões encaradas como “seitas sedutoras”, uma preocupação exagerada em manter a “platéia” entretida nos templos e nas associações católicas, uma mentalidade de “reconquista” das “ovelhas perdidas”, a promoção desproporcional da Pastoral do Dízimo, o cuidado exagerado com o patrimônio.
Para os hierarcas acometidos por esta doença, “evangelizar” não significa tanto dar testemunho do amor gratuito de Deus e da esperança cristã em meio às realidades mais sofridas, desumanas, desesperançadas deste mundo (do tipo favelas, hospitais, prisões, submundo dos drogados); significa, antes, investir em programas televisivos e radiofônicos de entretenimento religioso para as próprias hostes.
Tais programas não atraem, absolutamente, quem se afastou da Igreja, pois sua pieguice e seu jargão intra-eclesial quase hermético os tornam pouco suportáveis a pessoas secularizadas. Leigos e leigas que militam nas pastorais sociais e se esforçam para transformar a realidade “mundana” recebem pouquíssima atenção e quase nenhum incentivo de bispos eclesiocêntricos, ao passo que dizimistas, colaboradores litúrgicos e padres cantores são valorizados como a “menina dos olhos” da Igreja.
Houve um tempo, porém, em que os bispos quiseram “encostar” nas realidades mundanas e humanas. Quem ainda se lembra do célebre proêmio da “Gaudium et spes” ? “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (Compêndio do Vaticano II, 200).
Surgia, então, o projeto de uma Igreja-companheira da humanidade, em seus caminhos e descaminhos, uma Igreja-aliada na luta por liberdade, felicidade e humanização plena. Recordemos o que escreveu o Pe. José Comblin no livro “Mantenham as lâmpadas acesas” sobre a geração de bispos do “tipo” Aloísio Lorscheider: “A América Latina recebeu de Deus um privilégio excepcional. Houve aqui uma geração de bispos, de quase todos os países, decididos a adaptar a América Latina às transformações sugeridas pelo Concílio Vaticano II. Foi a geração de Medellín. (…)
Foi uma geração testemunha da liberdade evangélica, identificada com os pobres, os excluídos, os marginalizados da América Latina. Todos descobriram a mesma realidade, cada um no seu país, e quiseram aceitar o desafio dessa realidade. Foram como o Bom Samaritano da parábola. Vieram, depois de séculos em que a Igreja não quis olhar o desafio do extermínio dos índios, da escravidão dos africanos, e decidiram lutar contra essa realidade, procurando abrir os olhos da Igreja acostumada ao silêncio e à omissão seculares.
Estes bispos sofreram repreensões e castigos das autoridades e resistência de muitos colegas. Alguns foram realmente perseguidos. Outros morreram assassinados, sem que o martírio fosse reconhecido. Muitas vezes se sentiam sozinhos, objetos de desconfiança, incompreendidos, mas permanecem na memória dos pobres. Dom Aloísio foi um deles” (pp.69-70).
E Dom Helder foi outro. Não se faz mais bispos como no tempo dele. A impressão que dá é que os prelados de mitra atuais olham para o mundo com desconfiança e profundo pessimismo, bradando contra a perda de valores, sobretudo da fidelidade matrimonial e da ”santa” obediência. Não conseguem dialogar, de igual para igual, com intelectuais e profissionais liberais, mas permanecem igualmente distantes dos movimentos populares e operários. Não estão atuando no meio dos ”afastados”, dos secularizados, dos abandonados, dos condenados, das “ovelhas sem pastor”. Parece até que têm medo deles…
Ao invés disso, marcam presença constante na “Caminhada com Maria”, na procissão de São José, no “Queremos Deus” – aí, sim, se sentem “em casa”, em meio aos “seus”: “Vejam como eles se amam…!” Mas, se um outro mundo é possível, um outro episcopado também deve ser possível…
* Carlo Tursi, teólogo e membro de “O GRUPO”