Ontem, por ocasião das comemorações do 62º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Assembléia Legislativa homenageou um dos mais destacados e destemidos sacerdotes católicos dos que lutaram contra a ditadura, pela liberdade e, sobretudo, pela Justiça Social. O padre Moacir Cordeiro Leite, com o qual tive as melhores lições de solidariedade e de compromisso de luta pela democracia, pelos direitos humanos e pela justiça social, fez história no Ceará, no Brasil e até fora do Brasil, mesmo tendo como palco de sua luta a pequena cidade de Aratuba, no maciço de Baturité. A minha experiência ali foi fantástica: recém formado, começo de 1980, tive a oportunidade de participar das mais ricas experiências comunitárias com aquela pulsante comunidade de Aratuba, cujo território, sob a liderança do padre Moacir, que era inteiramente composta de Comunidades Eclesiais de Base, onde vicejavam ações de solidariedade, organização popular e consciência crítica da religião, da política, da economia e da vida Cristã.
No meu discurso de saudação ao padre Moacir, na tarde de ontem, lembrei de vários desses momentos da caminhada libertadora do padre Moacir, sem deixar de lembrar do seu grande parceiro naqueles duros momentos, no caso o padre José Maria, outra figura extraordinária de dedicação Cristã à luta em favor dos mais humildes.
Tempos realmente duros: perseguição policial, sob determinação dos mandarins do Estado do Ceará, Polícia Federal; invasão da casa paroquial... E o padre Moacir ali: firme, equilibrado, paciente, enfrentando todas as perseguições, o que o tornou referência no Ceará, no Brasil e no mundo na resistência à ditadura. Fundmental, para ele, foi o apoio sempre muito firme do saudoso e inesquecível dom Aloísio Lorscheider que, inúmeras vezes, colocou a sua voz em defesa dos postulados de "Aratuba" (dizíamos assim porque Aratuba se tornou um símbolo da luta da Igreja da Teologia da Libertação), seja bradando em todos os recantos do Brasil e do mundo, inclusive na Igreja (não é demais lembrar que também na Igreja haviam os omissos e até mesmo defensores da ditadura) para proteger os padres Moacir e José Maria das perseguições, seja subindo a Serra do Baturité para, fisicamente, mostrar o seu apoio e a sua solidariedade àquela extraordinária luta. Na minha fala, lembrei alguns momentos vividos com padre Moacir, com aquela luta, como, por exemplo, quando, num momento tenso de uma manifestação em Canindé, diante da afirmação do Frei Lucas Dole, de Canindé, de que dava para fazer a luta pela reforma agrária sem conflito, o sempre muito calmo, mas firme, padre Moacir responde: "Pois meu irmãozinho, quando você souber como se faz essa luta sem conflito, me ensine."
Lembrei, ainda, o seu pedido ao dom Aloísio Lorscheider para receber a minha mãe (Maria Zélia Cavalcante Ramalho) e a minha avô (Francisca Ivani Citó Ramalho) para acalmá-las, diante da perseguição que a primeira vinha enfrentando por conta da minha opção política, especialmente pela decisão que tomei de refundar o PMDB em Boa Viagem. Foi emocionante e tranquilizador, para mim, constatar que, ao final da conversa de dom Aloísio, com minhas amadas mãe e avô sairam absolutamente preparadas para não só compreender, mas apoiar firmemente, ainda que com naturais receios, a minha opção por aquela luta, da qual nunca abri mão e nela permaneço.
Padre Moacir em sua fala, agradecendo a homenagem, ao invés de destacar a sua longa história de dedicação à luta do povo e à verdadeira vida Cristã, lembrou o muito que ainda precisa ser feito, alertou para a apatia que hoje reina na Universidade e naIgreja quanto a essa vivência Cristã. Muitos foram os depoimentos destacando a luta do padre Moacir: meu próprio, dom Edmilson Cruz, Maria Luíza Fontenele, Cláudio Régis Quixadá, o ex-preso político Fabiano Cunha, o jornalista Messias Pontes, o líder operário do Pirambu José Maria, os deputados Arthur Bruno, Dedé Teixeira, Chico Lopes e Heitor Ferrer (que presidiu a solenidade).
O jornal o POVO de hoje (11.12.2010) traz a seguinte matéria:
Padre Moacir é homenageado na AL
Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) há exatos 62 anos, logo depois da 2ª Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi lembrada, ontem, na Assembleia Legislativa, em solenidade de entrega do 10º Prêmio Direitos Humanos Frei Tito de Alencar ao pároco do município de Cascavel, Moacir Cordeiro Leite.
Natural de Maranguape, o padre, que por 32 anos executou trabalhos voltados para a comunidade de Aratuba, no Maciço do Baturité, participou da formação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), na Pastoral da Terra, e se dedicou à luta pelos Direitos Humanos no Ceará.
A reforma agrária ainda é uma de suas principais bandeiras, segundo apontou o deputado estadual Heitor Férrer (PDT), responsável pela homenagem. “O Brasil nunca fez uma reforma agrária, mas o padre Moacir sempre lutou pela desapropriação de várias terras para os agricultores mais pobres”, disse. Para o pedetista, o pároco “é um dos mais destemidos cearenses” que defendem os princípios dos Direitos Humanos e que acreditam na mudança social.
“Esta homenagem é merecida. Reconhecer a grandeza da virtude é olhar para aquilo que o povo tem de mais belo”, acrescentou o parlamentar.
Aparentemente emocionado ao receber o prêmio, o sacerdote lembrou dos quatro à frente da juventude da Arquidiocese de Fortaleza e dos 44 anos de sua ordenação. “A minha formação foi profundamente voltada para os problemas da humanidade, desde a minha casa, com meus pais”, contou ele, que, em alguns momentos, fez questão de afirmar que seus ideais são os mesmos de Frei Tito.
Entretanto, ele lamentou que as universidades não preparem os alunos para lutar pelos Direitos Humanos como anteriormente. “No Clero também enxergamos esse problema. As paróquias deveriam se engajar mais. Se a gente entrasse mesmo em uma campanha, conseguiríamos mudar muita coisa”.
A paróquia de Cascavel, liderada há oito anos pelo padre, foi a que mais contribuiu para o projeto Ficha Limpa no Ceará. Conforme o sub-secretário da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Regional Nordeste I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Cláudio Régis Quixadá, “só lá foram recolhidas mais de 5 mil assinaturas”. “Ele contribuiu muito com a campanha. É um homem simples e um verdadeiro profeta”, disse Quixadá.