sábado, 2 de maio de 2009

MEMÓRIA DO SAMBA BRASILEIRO. ATAULFO ALVES.


Cadência centenária

Ataulfo Alves representou a transição entre a música rural mineira e o samba dos morros cariocas, em décadas de uma carreira marcada por sucessos e precocemente interrompida
O centenário do mineiro Ataulfo Alves, autor de clássicos do samba, é lembrado hoje em todo o País. Hoje, às 14h, houve missa na Igreja da Matriz, iniciando uma festa que toma o ´pequenino Miraí´ (a 355 km de Belo Horizonte) para saudar o centenário de seu filho mais famoso, Ataulfo Alves. Os festejos terminam com um show dos filhos Adeilton Alves e Ataulfo Alves Jr. Em crônica da Revista Manchete de 1954, o jornalista Lúcio Rangel citava a assistência aos shows de Ataulfo e suas Pastoras como uma das maiores riquezas acumuladas em 40 anos de existência. Depois, incluiria Ataulfo e as Pastoras, na lista de 25 discos (mais três), sugerida para um norte-americano. As crônicas estão em ´Samba, jazz & outras notas´ (Agir, 2007), organizado por Sérgio Augusto. Já em ´Com esses eu vou´ (Zit, 2006), o jornalista Luís Pimentel fechava seu perfil biográfico, afirmando que o mineiro franzino e elegante, no Rio desde a juventude, ´foi um dos maiores´.Pudera, entre suas 700 composições, sucessos como: ´Meus tempos de criança´ (o do jogo de botões sobre a calçada, do primeiro amor e da professorinha que lhe ensinou o be-a-abá); ´Leva meu samba´ (também conhecido como ´Mensageiro´); ´Errei... Erramos´ (na voz de Orlando Siva, sobre amantes julgados no tribunal da consciência); ´Errei, sim´ e ´Fim de Comédia´ (sambas-canções em que Dalva de Oliveira exorcizava as brigas com Herivelto Martins); ´Na cadência do samba (com Paulo Gesta e Matilde, o da batucada de bamba onde ele queria morrer); ´Mulata Assanhada´ (e sua pirraça a tirar o sossego das mentes, sucesso de Elza Soares); ´O Bonde São Januário´ (que levava mais um operário, ele, para trabalhar); ´Oh, Seu Oscar´ (também com Wilson Batista, em que a mulher deixava um bilhete de despedida para viver na orgia); ´Laranja Madura´ (unindo a malandragem carioca com as origens rurais), além dos sambas com Mário Lago (´Ai, que saudade da Amélia´ para a ´mulher de verdade´ que horroriza as feministas; e ´Atiraste uma pedra´, sobre um pedido de perdão que apela para uma conhecida passagem bíblica) ou ainda ´Você passa, eu acho graça´ (da parceria final com Carlos Imperial, na voz de Clara Nunes) e ´Pois é´ (o da morena que foi embora após exaltarem suas qualidades)...Sambas com uma ingenuidade (por assim dizer mineira, interiorana) e uma cadência, uma ginga (única, de quem conciliava a linhagem do Estácio com as toadas mineiras) que não voltam mais... Sambas de tons melancólicos, muitas vezes em torno das dores-de-cotovelo do samba-canção. Melancolia ainda de sentimentos como a saudade e outros lamentos da vida. ´

Nas viagens que faço pelo Brasil, ouvindo cantigas da roça, às vezes ouço alguma que parece com um samba meu. Acho que guardei na memória, sem saber, muita toada de roça e isso influencia meu samba. É por isso que ele é assim, triste´, declarou. Na Era de Ouro do Rádio, iniciada em 1929 por nomes como Francisco Alves, Carmen Miranda, Mário Reis, Almirante e Ary Barroso, reuniria, em sua segunda fase, entre 37 e 42, nomes como Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues, Dorival Caymmi e Ataulfo, responsáveis pela fixação do samba no imaginário popular brasileiro, sob a força do rádio e do cinema. Mas essa referência a fases é apenas mera formalidade, já que suas primeiras gravações, ´Sexta-feira´ e ´Tempo Perdido´, por Almirante e Carmen Miranda, datam de 1933. Carmen que Ataulfo conhecia desde o tempo de prático de farmácia, ao chegar ao Rio, com 18 anos. Em 35, ´Saudade do Meu Barracão´ faria sucesso com Floriano Belham. Em 41, solta a voz (pequena em relação aos ídolos de então) em ´Leva meu samba´, definindo seu espaço. Mas a consagração viria com ´Ai, que saudade da Amélia´, no Carnaval de 42. E com suas Pastoras, regidas com um lenço branco perfumado.Antes, em 1939, teve ´Sei que é covardia´ (com Claudionor Cruz) cantado por Carlos Galhardo na trilha do musical carnavalesco ´Banana da Terra´, estrelado por Carmen. Com a Pequena Notável nos States, o Carnaval de 1940 trouxe para Ataulfo a consagração em ´Oh, Seu Oscar´ (com Wilson Batista), na voz de Ciro Monteiro. Mas já em 41, tinha ´É um quê que a gente tem´ (com Torres Homem), no 78 rotações de Carmen, tendo ´O Dengo´, de Caymmi, como lado A. Mas foi nos anos 50 e 60 que aumentou sua popularidade, em aparições na televisão e no seu Clube do Samba, da Rádio Nacional.Em 1954, em entrevista a Paulo Mendes Campos, Ary Barroso o apontou como o maior compositor do Brasil em todos os tempos. Mas naquele mesmo ano, perderia um grande admirador: o Presidente Getúlio Vargas (afinal, compusera com Wilson Batista ´O Bonde São Januário´, hino do getulismo). Já em novembro de 57, foi um dos convidados de Juscelino Kubitschek no Palácio das Laranjeiras para receber o norte-americano Louis Armstrong. Com a Caravana Cultural de Humberto Teixeira, iria à Europa em 1961. Em 66, a convite da Unesco, com suas Pastoras, noutra caravana. Três anos depois (20 de abril de 1969), sucumbiria às complicações de uma cirurgia para a retirada de uma úlcera no duodeno, interrompendo tantas mensagens que seu samba ainda tinha para nos entregar. A gravação de ´Na cadência do samba´, pelo grupo Novos Baianos, nos anos 70; o disco para seus 80 anos, com seus clássicos nas vozes de Paula Toller a Elizeth Cardoso e, mais recentemente, as releituras de Cássia Eller para ´Na Cadência do Samba´ e de Itamar Assumpção, em um disco exclusivo, confirmaram a fama imortal do adorável mensageiro.

FIQUE POR DENTRO

Dedicação integral à família e à música. Aos 10 anos, Ataulfo Alves de Souza começou a trabalhar para sustentar a mãe e os seis irmãos. Antes de morrer, seu pai, o violeiro, sanfoneiro e repentista Capitão Severino já lhe ensinara a tocar violão. Aos 17 anos, deixa Miraí para trabalhar na casa do médico da cidade, na capital federal. Depois se torna prático de farmácia e, nas horas de folga, freqüenta rodas de samba. Incentivado por Bide e Almirante, revela-se compositor e depois intérprete. O sucesso no Carnaval de 1942 com ´Ai, que saudades da Amélia´ incentivou a criação das Pastoras, grupo de cantoras que davam sustentabilidade a seu canto. Adaptou-se ao boom do samba-canção, cantou ao lado de Elis Regina e Roberto Carlos. Casado e com cinco filhos, foi defensor dos direitos autorais.

Fonte: Diário do Nordeste, 02/05/09 - HENRIQUE NUNES, Repórter.

2 comentários:

Alfredo Carlos ! disse...

Quando menino na cidade do Recife, acredito que em 1960, gostava de ouvir músicas juntamente com minha mãe, ainda hoje bem viva apesar dos 89 anos. Era a famosa era do rádio que dava continuidade desde os anos 50. A rádio clube de Pernambuco pioneira na região, pertencente aos diários associados do famoso e sem escrúpulos Assis Chateaubriand, tocava tudo de bom na época. Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Carmem Miranda Portuguesa de Nascimento, Dolores Duran que morreu aos 27 anos de idade, que cantava, " A noite do meu bem". Francisco Alves o Chico Viola, que morreu de uma virada do seu carro na Dutra. Eram programas e novelas, sim, novelas pelo rádio, eu mesmo assisti muitas, inclusive uma muito famosa, chamada de "Jerônimo o herói do Sertão". Foi nessa época que começei a ouvir e gostar dos sambas de Ataulfo Alves, mineiro de Miraí, que cantava: Laranja madura, na beira da estrada ou tá bichada, ou tem maribondos no pé. Ouvia também a linda voz de Ângela Maria que bem jovem, estava iniciando sua brilhante carreira. Naqueles tempos os cantores não pensavam somente em ganhar dinheiro, pensavam mais ainda na qualidade do espetáculo e em suas belas vozes. Abraço a todos!

Anônimo disse...

Professor Alfredo não sabia que o Sr. tinha essa facilidade toda em escrever artigos parabéns.

Mostra que é um Homem culto e semprem ligado com a atualidade.