sábado, 28 de março de 2009

O VIVER BEM OU O BEM VIVER?



O VIVER MELHOR OU O BEM VIVER ?
Leonardo Boff
(Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff (Concórdia, 14 de dezembro de 1938), é um teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos).

Na ideologia dominante, todo mundo quer viver melhor e desfrutar de uma melhor qualidade de vida. Comumente associa essa qualidade de vida ao produto interno bruto de cada país. O PIB representa todas as riquezas materiais que um país produz. Se esse é o critério, então os países melhor colocados são os Estados Unidos, seguidos do Japão, Alemanha, Suécia e outros. Esse PIB é uma medida inventada pelo capitalismo para estimular a produção crescente de bens materiais a serem consumidos. Nos últimos anos, dado o crescimento da pobreza e da urbanização favelizada do mundo, e até por um senso de decência, a ONU introduziu a categoria IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano.
Nele se elencam valores intangíveis como saúde, educação, igualdade social, cuidado para com a natureza, equidade de gênero e outros. Enriqueceu o sentido de "qualidade de vida", que era entendido de forma muito materialista: goza de boa qualidade de vida quem mais e melhor consome. Consoante o IDH, a pequena Cuba apresentasse melhor situada que os EUA, embora com um PIB comparativamente ínfimo. Acima de todos os países está o Butão, esprimido entre a China e Índia (aos pés do Himalaia), muito pobre materialmente, mas que estatuiu oficialmente o índice de felicidade interna bruta.
Esse não é medido por critérios quantitativos, mas qualitativos, como boa governança das autoridades, equitativa distribuição dos excedentes da agricultura de subsistência, da extração vegetal e da venda de energia para a Índia, boa saúde e educação e, especialmente, bom nível de cooperação de todos para garantir a paz social. Nas tradições indígenas de Abya Yala, nome para o nosso Continente indoamericano, em vez de "viver melhor" se fala em "bem viver".
Essa categoria entrou nas constituições da Bolívia e do Equador como objetivo social a ser perseguido pelo Estado e por toda a sociedade. O "viver melhor" supõe uma ética do progresso ilimitado e nos incita a uma competição com os outros para criar mais e mais condições para "viver melhor". Entretanto, para que alguns pudessem "viver melhor", milhões e milhões têm e tiveram de "viver mal". É a contradição capitalista. Contrariamente, o "bem viver" visa a uma ética da suficiência para toda a comunidade e não apenas para o indivíduo. O "bem viver" supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrena que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais; é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com Deus. A preocupação central não é acumular. De mais a mais, a Mãe Terra nos fornece tudo que precisamos. Nosso trabalho supre o que ele não nos pode dar ou a ajudamos a produzir o suficiente e decente para todos, também para os animais e as plantas.
"Bem viver" é estar em permanente harmonia com o todo, celebrando os ritos sagrados que continuamente renovam a conexão cósmica e com Deus. O "bem viver" nos convida a não consumir mais do que o ecossistema pode suportar, a evitar a produção de resíduos que não podemos absorver com segurança e nos incita a reutilizar e reciclar tudo o que tivermos usado. Será um consumo reciclável e frugal. Então não haverá escassez. Nesta época de busca de novos caminhos para a humanidade, a idéia do "bem viver" tem muito a nos ensinar.

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