EM TERMOSA aprovação, em primeira instância, da Medida Provisória 527/11, que cria a Secretaria Nacional de Aviação Civil e traz embutido o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), destinado a acelerar a realização das obras para a Copa das Confederações, Copa do Mundo de Futebol e Olimpíadas, baseia-se no pressuposto de que a modalidade de contratação integrada – a mesma empresa/consórcio será responsável por desenvolver os projetos básico e executivo (completo) e as obras – é a melhor para o País.
O principal problema da contratação integrada é que ela será definida com base em um anteprojeto, etapa anterior ao projeto básico e que já não é o melhor parâmetro para a contratação pública de obras. Essa opção joga no lixo o conhecimento acumulado da arquitetura e da engenharia brasileira.
Disso podem resultar possíveis vícios (escolha de sistemas construtivos e especificação de materiais pelo menor preço e nem sempre os mais adequados, ensaios preliminares em menor quantidade e abrangência do que o ideal, por exemplo), para garantir maior lucro no contrato, problema que a atual legislação tenta contornar, exigindo que o autor do projeto seja empresa especializada e independente da que executa a obra. E não agilizará o processo porque, para apresentar proposta, a construtora/consórcio precisará realizar estudos e ensaios (topográficos, geotécnicos, etc) e desenvolver projeto básico para ter definição técnica e, principalmente, econômica da obra.
Esse processo não é simples e demanda prazo, que pode superar os 180 dias, eliminando a suposta vantagem da proposta governamental. Ou, pior ainda, forçar as construtoras/consórcios a apresentarem propostas superdimensionadas em seus custos, a fim de garantir o lucro nos contratos, em qualquer condição de obra.
Atribuir à legislação a ineficiência na execução das obras públicas é o mesmo que exigir que os carros movam os bois. O problema central é a falta de planejamento, instrumento que permite contratar no prazo correto os projetos executivos (completos) de arquitetura e engenharia pela melhor solução técnico-econômica, insumos fundamentais para a boa construção, com custo e prazos adequados.
Assim, o erro conceitual que permeia a proposta do governo poderá trazer, se aprovado o regime diferenciado, mais problemas do que soluções.
Nilce Cunha Rodrigues - Procuradora da República e procuradora Regional dos Direitos do Cidadão
NÃOA Lei 8.666/93 cuida de fornecer critérios para as Licitações e Contratos da Administração Pública, cobrando observância aos princípios constitucionais, notadamente os da legalidade, moralidade, finalidade, impessoalidade, eficiência e economicidade.
A licitação é o instrumento de que dispõe o poder público para coletar, analisar e avaliar criteriosamente as propostas recebidas com o objetivo de, comparativamente, julgá-las e escolher a mais vantajosa. Esse processo se faz imperioso em virtude de se tratar de recursos públicos, daí não caber escolhas pessoais ou arredadas da finalidade para a qual houve a previsão do gasto.
A licitação visa resguardar o interesse geral, preservando-o de malversações e desvios dos recursos públicos. Não obstante o rigor da lei, comumente tem ocorrido no âmbito das administrações públicas inúmeras fraudes em processos licitatórios e, por conseguinte, os recursos, serviços ou bens públicos ficam comprometidos, quer pelo próprio desvio do dinheiro, quer pelo seu mau emprego em obras e serviços de pouca ou nenhuma qualidade.
No artigo 23 a lei prevê cinco modalidades de licitações, sendo a mais rigorosa delas a concorrência, prevendo, em seguida, algumas hipóteses de dispensa, dentre elas destaca-se a de emergência ou calamidade pública.
Em outubro de 2007, o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014. Precisamente sete anos antes do megaevento o País ficou ciente e consciente da enorme responsabilidade que assumia, não havendo até o momento nenhuma razão que justifique a inércia para dar início ou continuidade às obras para realizar o evento.
Flexibilizar, escamoteando as regras a pretexto de urgência das obras depois de deixar transcorrer todo esse tempo é inaceitável, eis que os fatos falam por si sós e demonstram ser um claro artifício para gerar uma situação de emergência. Ou seja, é um fato artificialmente criado para “legalizar” uma conduta que a lei não chancela.
Diante de tantas fraudes e desvios de recursos públicos, no mais das vezes decorrentes de licitações viciadas cujos prejuízos à sociedade são incalculáveis, é preocupante a ideia de flexibilizar normas legais para “facilitar” contratações bilionárias destinadas à realização das obras da Copa, sobretudo pela certeza de que isto acarretará sobrepreço, põe em risco a qualidade das obras e permite a livre escolha do contratado. As regras da licitação existem fundamentalmente para proteger o patrimônio público, não devendo servir para legitimar condutas desprovidas dos princípios que regem toda administração dos interesses públicos.
Ricardo Leyser - Secretário de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte
SIMAo contrário do que alegam aqueles que combatem o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para obras e serviços dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016 e da Copa do Mundo Fifa 2014, não há que se falar em falta de transparência no modelo em discussão. O dispositivo é claro: “o orçamento previamente estimado será fornecido após o encerramento da licitação”. Ou seja, haverá sim um orçamento estimativo, como existente na lei atual, e este será divulgado às empresas licitantes. E durante o processo competitivo as informações ficarão à disposição dos órgãos de controle e fiscalização a qualquer momento.
Essa é uma estratégia, entre outras previstas no RDC, para obter o equilíbrio de poder dentro do processo licitatório, fortalecendo o lado governamental e afastando as práticas de conluio e fraudes em licitações. O que se pretende é forçar o mercado a se deter no orçamento real, estudar o objeto da contratação, buscar técnicas adequadas, avaliar o cronograma. Esse procedimento visa a estimular a competição e coibir a cartelização, com objetivo de, ao término da licitação, garantir que a administração – e o contribuinte – pague o menor preço pela obra ou serviço contratado.
Divulgar no início do processo o valor estimado, em última análise, equivale ao mesmo que um consumidor interessado em comprar determinado produto ou bem dirigir-se ao vendedor informando qual é a sua disponibilidade de gasto sem antes questionar o preço do produto. É essa a condição na qual o poder público se coloca quando vai fazer uma contratação baseada na lei atual.
A não divulgação do orçamento estimado na fase concorrencial é pratica internacionalmente referenciada como elemento que favorece a competitividade e possibilita redução de custos nas compras governamentais, ao ponto de a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico recomendar em suas diretrizes que os preços decorrentes de pesquisa de mercado “não devem ser publicados antes e devem ser mantidos confidenciais durante o processo ou depositados em outra autoridade pública”.
As inovações e as boas práticas trazidas pelo RDC provocam um deslocamento de poder nos procedimentos de contratação, deslocamento que incomoda setores poderosos do mercado acostumados com os mecanismos ultrapassados da lei atual e que, diante da modernização e da racionalização dos processos de contratação, temem, acertadamente, não mais manter a administração pública refém de seus interesses.
O RDC não significa flexibilização, significa, na verdade, a redução de ações ilícitas durante os procedimentos de licitação, o que acarretará na diminuição dos custos de obras e serviços e na melhora significativa do desempenho do poder público no cumprimento de suas obrigações perante a sociedade.